A parceria sino-brasileira vai ganhar mais relevância e terá uma agenda mais ampla, para além dos setores de energia, mineração, siderurgia e agronegócio. Essa é a avaliação do secretário executivo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Roberto Fendt. Ele citou a presença de montadoras chinesas que produzem no Brasil veículos para o mercado sul-americano, além da participação de bancos chineses no setor financeiro brasileiro como os carros-chefe dessa agenda de investimentos no País.
“A parceria econômica vem se desenvolvendo com o respaldo constante da aproximação política”, afirmou Fendt, destacando exemplos dessa relação como a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), as cúpulas do Brics e as reuniões bilaterais.
Confira trechos da entrevista com o secretário executivo do CEBC.
Como o senhor vê a relação econômica Brasil-China a longo e curto prazos?
A curto prazo, ambos os países devem continuar a usufruir da estupenda complementaridade que seu comércio bilateral vem apresentando nos últimos anos. A necessidade que a China tem de importar commodities agrícolas, recursos energéticos e minerais é notória, e o Brasil soube fazer bom proveito dessa condição, ao mesmo tempo que abasteceu seu mercado interno com insumos industriais chineses muito competitivos. Além disso, também a curto prazo, os investimentos chineses no Brasil tendem a seguir muito relevantes. Ainda que o governo central da China por vezes restrinja os investimentos externos por receio de uma saída acentuada de capitais, o Brasil parece estar imune às contenções, pois os investimentos aqui aplicados estão em convergência com a política Go Out [estratégia de internacionalização dos investimentos chineses lançada pelo governo no início do século XXI].
A longo prazo, no que diz respeito ao aspecto comercial da relação bilateral, espera-se que o Brasil consiga, por um lado, diversificar sua pauta de exportação, hoje muito concentrada em três itens principais – soja, minério de ferro e petróleo. E, por outro lado, agregar mais valor aos produtos brasileiros já bem estabelecidos no mercado chinês, os quais temos vantagens comparativas, como é o caso do agronegócio.
Em relação aos investimentos, as inversões de capital chinesas nos setores ferroviário e portuário podem, a longo prazo, ser muito benéficas para a redução do custo logístico e o aumento da competitividade do produto brasileiro. Além disso, não se pode negligenciar as oportunidades de investimento brasileiro na China. Ano após ano, o governo chinês anuncia a abertura de setores da economia para empresas estrangeiras. Essas alterações precisam ser mapeadas e profundamente estudadas pelo governo e empresariado brasileiro.
O governo brasileiro tem dito aos líderes e empresários chineses que quer atrair investimentos greenfield, de longo prazo, com perfil diversificado e que tragam novas tecnologias. É possível a médio prazo o capital chinês seguir nessa linha?
Não só avalio que é possível como também considero provável. A diversificação do investimento chinês no Brasil já está ocorrendo. Se em 2010 falávamos de investimentos nos setores de energia, especificamente petróleo e gás e mineração, hoje temos investimentos chineses nos setores financeiro, automobilístico, na produção de eletrodomésticos, em energia renovável e logística. O interesse por setores de alta tecnologia também pode ser verificado pelos aportes da Didi Chuxing, Baidu, BYD e Huawei. Esses movimentos podem não ser os mais notáveis do ponto de vista do valor do investimento, mas certamente são significativos por apontarem uma crescente inserção chinesa nessa área.
Desde a criação do Fundo Brasil-China para Expansão da Capacidade Produtiva, em 2015, houve um estreitamento da relação entre os dois países. Essa é uma “porta de entrada” para ampliar os investimentos chineses no Brasil?
Sem dúvidas, a criação do Fundo Brasil-China é uma boa notícia no que se refere à entrada de investimentos chineses no Brasil. Por se tratar de empreendimento conjunto, contando com a participação de especialistas de ambos para avaliar a viabilidade e pertinência dos investimentos pautados, acredito que os empreendimentos daí resultantes serão concretizados, e o empresariado chinês e brasileiro terá ainda mais espaço e oportunidade para investir. Nós do CEBC mantemos uma linha de comunicação constante com o Ministério do Planejamento para obter todas as informações e esclarecimentos deste que é um dos principais eixos da relação econômica entre os dois países.
O mundo muitas vezes olha com desconfiança o crescimento da economia chinesa. Se por um lado é um enorme mercado consumidor, um grande investidor internacional, muitas vezes também é a concorrência. Como equilibrar essa percepção da China?
Pessoalmente, acho que a melhor forma de equilibrar essa percepção é a difusão de informação. O Conselho Empresarial Brasil-China produz diversas publicações e estudos públicos para a disseminação de conhecimento, auxiliando o desenvolvimento de opiniões bem fundamentadas. Uma vez familiarizado com a dinâmica da relação econômica sino-brasileira, há de se convir que se trata de uma parceria benéfica para ambos.
O saldo superavitário que há anos o Brasil acumula em suas trocas comerciais com a China é apenas um dos fatores que aponta nessa direção. Cito também outros dois estudos importantes para que percebamos as nuances deste momento da relação bilateral. Um estudo da Organização Mundial do Trabalho intitulado “Os efeitos da China na quantidade e qualidade do emprego na América Latina e Caribe” apontou que o Brasil foi o país da região cujo comércio com a China ocasionou o maior impacto positivo na geração de empregos. A geração de empregos no complexo exportador brasileiro superou as perdas no setor industrial.
Já um relatório do Atlantic Council, intitulado “Desenvolvimento industrial na América Latina: qual é o papel da China?”, ofereceu-nos outro ponto interessante de debate. Ainda que a competição com a China tenha sido prejudicial para produtores de partes e componentes, empresas mais acima na cadeia de produção se beneficiaram da importação de insumos industriais mais baratos do país asiático. Dessa forma, não poderíamos falar das importações oriundas da China como maléficas para a indústria nacional como um todo. Enfim, são temas complexos que merecem estudos aprofundados.